sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Distração?
Será que em algum momento estamos distraídos? Saio para resolver uma chatice cotidiana, uma revolta eletrônica. Não ligo o rádio, já ando achando o silêncio um tanto barulhento. Sinal vermelho, muitas pessoas cruzando a rua. Imediatamente começo a imaginar quem são os transeuntes. Faço uma história para cada um que passa em minha frente. O tempo parece que suspendeu. Cronos deixou-me brincar. Fico imaginando que questões de vida estariam ali caminhando. Duas jovens meninas gesticulam animadamente. Penso na fé em mudar o mundo e a falta de pressa que temos em determinada época. Podemos tudo, Sinto saudade disso. Olho para um homem jovem com barba grande e questiono a diferença dos abalos de gênero. Qual angústia, se há, habitaria naquele homem que atravessa rapidamente a rua. Seu olhar está longe, talvez já se imaginasse chegando em algum lugar. Hoje é sexta-feira, dia de encontros pra uma parcela considerável dos humanos. Eu não me enquadro no percentual. Penso em resolver o problema de meu celular e voltar correndo pra casa com meu vinho. Proponho um jogo mental, identificar a pessoa mais feliz que cruza a Ipiranga. Identifico uma mulher com uma menina de uns dois anos no colo e penso: é ela. Imediatamente percebo que atribui àquela mulher a personagem de mãe, e, além disso, atribuí a maternidade a irrefutável felicidade. Opa, opa... Recuo e penso no mito do amor materno e na história que está aí pra ser olhada. Sei que foi um lapso de confusão com a vivência com minha sobrinha mais velha. Não havia nada mais empolgante que estar com ela e participar de todas suas descobertas de criança. Então o sinal abre ( como o pensamento é rápido ) e eu continuo a observar. Olho um carro ao meu lado onde no vidro traseiro consta uma declaração de amor "Dezoito e Dedé". Imagino o Dezoito e a Dedé em uma tórrida paixão em que o ápice é marcar o vidro do carro. Que lindas, insanas, pequenas e gigantes declarações de amor. Penso: saudades de ficar feliz com uma faixa declarando amor ou uma pichação no muro... Coisas do tipo. Na minha cabeça Dezoito e Dedé estarão vivendo uma tórrida sexta de amor, onde todas as certezas existem e o amor é indiscutível. Sigo a Ipiranga com um sol se pondo. Contrastes entre o céu e os fios dos postes. Penso que é o mesmo céu de milhares de anos, o céu que tudo sabe. Vanilla Sky me vem a cabeça com seus sonhos lúcidos. Queria um hoje. Luzes de freio, muitas luzes de freio... Será que é uma metáfora da humanidade? Sei lá... E a gente de distrai? Cabeça de Psicólogo será um pouco diferente?  Cheguei ao shopping e a voz metálica na cancela me fez sentir um tédio danado. Sem sonho lúcido, vamos lá. Seja como for a associação livre é mais uma pérola que Freud nos deixou. 
Márcia Batista

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Pássaros na cabeça

         
Henri Lartigue

        O que se sabe da vida é o não saber, e depois de milhares de horas de insônia aprender que ela está aí para escapar, escorrer, na sua impossibilidade inegociável de ser segurada. Então melhor é pegar cada hora com a beleza e a amargura que nos chega e seguir. Amanhã  talvez não exista, existir também é mero ponto de vista. Conheço muita gente que não se sabe morta e teme morrer. Alguns corações pulsam, outros apenas executam sua função fisiológica de bombear o sangue. A vida é o tempo com toda sua relatividade e grandeza, é  o desnorteamento organizado, o trapézio sem rede, a constante comunicação surda, a solidão de inevitavelmente ser um. É preciso apreender a força das raízes, mas plantar pássaros na cabeça e quiça  voar com eles.

Márcia Batista