quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Ausências




...
...
...
Ausência palavra pedra. Pedra, pedreira na gente. Bate-se nela, bate-se na gente batendo nela.  Ausência palavra sozinha. Quarto chaveado escuro. A ausência ocupa tanto espaço. Dentro dela mora tanta gente, tantos cheiros, tanto amor que não vingou, tantos mortos, tantos vivos que precisamos matar para não morrer. Seguimos, disfarçamos bem nossa falta de presenças. Ausência é ruim até de falar, palavra é o corpo do pensamento, corpo tão violentado, tão desencontrado, tão falido. Ausentes olhares, ausentes corpos com sentidos, ausentes compaixões , ausentes compreensões , ausentes esperanças, ausentes ilusões a dar horizontes. Estamos lotados de ausências , despencando em nossas palavras que não encontram ancoragem. Ausência pedra, ausência fogo sem ar, ausencia frio, ausência desamor, ausência grito calado. Ausência indiferença,  ausência espelho quebrado a nos fazer, ao mesmo tempo, assassinos e os próprios cães assassinados
à luz de um dia de primavera , num cidade qualquer cheia de ausentes.

Márcia Batista




terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Al lado del camino

Camino
Fito Páez


Me gusta estar a un lado del camino
Fumando el humo mientras todo pasa
Me gusta abrir los ojos y estar vivo
Tener que vérmelas con la resaca
Entonces navegar se hace preciso
En barcos que se estrellen en la nada
Vivir atormentado de sentido
Creo que ésta, sí, es la parte mas pesada

En tiempos donde nadie escucha a nadie
En tiempos donde todos contra todos
En tiempos egístas y mezquinos
En tiempos donde siempre estamos solos
Habrá que declararse incompetente
En todas las materias de mercado
Habrá que declararse un inocente
O habrá que ser abyecto y desalmado
Yo ya no pertenezco a ningún istmo
Me considero vivo y enterrado
Yo puse las canciones en tu walkman
El tiempo a mi me puso en otro lado
Tendré que hacer lo que es y no debido
Tendré que hacer el bien y hacer el daño
No olvides que el perdón es lo divino
Y errar a veces suele ser humano

No es bueno hacerse de enemigos
Que no estén a la altura del conflicto
Que piensan que hacen una guerra
Y se hacen pis encima como chicos
Que rondan por siniestros ministerios
Haciendo la parodia del artista
Que todo lo que brilla en este mundo
Tan sólo les da caspa y les da envidia
Yo era un pibe triste y encantado
De beatles, caña legui y maravillas
Los libros, las canciones y los pianos
El cine, las traiciones, los enigmas
Mi padre, la cerveza, las pastillas los misterios el whiskymalo
Los óleos, el amor, los escenarios
El hambre, el frío, el crimen, el dinero y mis 10 tías
Me hicieron este hombre enreverado

Si alguna vez me cruzas por la calle
Regálame tu beso y no te aflijas
Si ves que estoy pensando en otra cosa
No es nada malo, es que pasó una brisa
La brisa de la muerte enamorada
Que ronda como un ángel asesino
Mas no te asustes siempre se me pasa
Es solo la intuición de mi destino

Me gusta estar a un lado del camino
Fumando el humo mientras todo pasa
Me gusta regresarme del olvido
Para acordarme en sueños de mi casa
Del chico que jugaba a la pelota
Del 49585
Nadie nos prometió un jardín de rosas
Hablamos del peligro de estar vivo
No vine a divertir a tu familia
Mientras el mundo se cae a pedazos
Me gusta estar al lado del camino
Me gusta sentirte a mi lado
Me gusta estar al lado del camino
Dormirte cada noche entre mis brazos
Al lado del camino
Al lado del camino
Al lado del camino
Es mas entretenido y mas barato
Al lado del camino

domingo, 2 de dezembro de 2018

A hora da estrela


"Então  eu canto alto agudo uma melodia sincopada e estridente - é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada por nordestinas que andam por aí aos montes."
Macabea 

A hora da estrela/Clarice Lispector 

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Sobre a transitoriedade


Texto de Freud 
A história do movimento Psicanalítico, artigos sobre a meta psicologia e outros trabalhos. Volume XIV (1914 - 1916)

SOBRE A TRANSITORIEDADE

Não faz muito tempo empreendi, num dia de verão, uma caminhada através de campos sorridentes na companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem mas já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário à nossa volta, mas não extraía disso qualquer alegria. Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à extinção, de que desapareceria quando sobreviesse o inverno, como toda a beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens criaram ou poderão criar. Tudo aquilo que, em outra circunstância, ele teria amado e admirado, pareceu-lhe despojado de seu valor por estar fadado à transitoriedade.
A propensão de tudo que é belo e perfeito à decadência, pode, como sabemos, dar margem a dois impulsos diferentes na mente. Um leva ao penoso desalento sentido pelo jovem poeta, ao passo que o outro conduz à rebelião contra o fato consumado. Não! É impossível que toda essa beleza da Natureza e da Arte, do mundo de nossas sensações e do mundo externo, realmente venha a se desfazer em nada. Seria por demais insensato, por demais pretensioso acreditar nisso. De uma maneira ou de outra essa beleza deve ser capaz
 de persistir e de escapar a todos os poderes de destruição.
Mas essa exigência de imortalidade, por ser tão obviamente um produto dos nossos desejos, não pode reivindicar seu direito à realidade; o que é penoso pode, não obstante, ser verdadeiro. Não vi como discutir a transitoriedade de todas as coisas, nem pude insistir numa exceção em favor do que é belo e perfeito. Não deixei, porém, de discutir o ponto de vista pessimista do poeta de que a transitoriedade do que é belo implica uma perda de seu valor.
Pelo contrário, implica um aumento! O valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo. A 
limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição. Era incompreensível, declarei, que o pensamento sobre a transitoriedade da beleza interferisse na alegria que dela derivamos. Quanto à beleza da Natureza, cada vez que é destruída pelo inverno, retorna no ano seguinte, do modo que, em relação à duração de nossas vidas, ela pode de fato ser considerada eterna. A beleza da forma e da face humana desaparece para sempre no decorrer de nossas próprias vidas; sua evanescência, porém, apenas lhes empresta renovado encanto. Um flor que dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela. Tampouco posso compreender melhor por que a 
beleza e a perfeição de uma obra de arte ou de uma realização intelectual deveriam perder seu valor devido à sua limitação temporal. Realmente, talvez chegue o dia em que os quadros e estátuas que hoje admiramos venham a ficar reduzidos a pó, ou que nos possa suceder uma raça de homens que venha a não mais compreender as obras de nossos poetas e pensadores, ou talvez até mesmo sobrevenha uma era geológica na qual cesse toda vida animada sobre a Terra; visto, contudo, que o valor de toda essa beleza e perfeição é determinado somente por sua significação para nossa própria vida emocional, não precisa sobreviver a nós, independendo, 
portanto, da duração absoluta.
Essas considerações me pareceram incontestáveis, mas observei que não causara impressão quer no poeta quer em meu amigo. Meu fracasso levou-me a inferir que algum fator emocional poderoso se achava em ação, perturbando-lhes o discernimento, e acreditei, depois, ter descoberto o que era. O que lhes estragou a fruição da beleza deve ter sido uma revolta em suas mentes contra o luto. A idéia de que toda essa beleza era transitória comunicou a esses dois espíritos sensíveis uma antecipação de luto pela morte dessa mesma beleza; e, como a mente instintivamente recua de algo que é penoso,
 sentiram que em sua fruição de beleza interferiam pensamentos sobre sua transitoriedade.
O luto pela perda de algo que amamos ou admiramos se afigura tão natural ao leigo, que ele o considera evidente por si mesmo. Para os psicólogos, porém, o luto constitui um grande enigma, um daqueles fenômenos que por si sós não podem ser explicados, mas a partir dos quais podem ser rastreadas outras obscuridades. Possuímos, segundo parece, certa dose de capacidade para o amor - que denominamos de libido - que nas etapas iniciais do desenvolvimento é dirigido no sentido de nosso próprio ego. Depois, embora ainda numa época muito inicial, essa libido
 é desviada do ego para objetos, que são assim, num certo sentido, levados para nosso ego. Se os objetos forem destruídos ou se ficarem perdidos para nós, nossa capacidade para o amor (nossa libido) será mais uma vez liberada e poderá então ou substituí-los por outros objetos ou retornar temporariamente ao ego. Mas permanece um mistério para nós o motivo pelo qual esse desligamento da libido de seus objetos deve constituir um processo tão penoso, até agora não fomos capazes de formular qualquer hipótese para explicá-lo. Vemos apenas que a libido se apega a seus objetos e não renuncia àqueles que se perderam, mesmo quando um substituto se acha 
bem à mão. Assim é o luto.
Minha palestra com o poeta ocorreu no verão antes da guerra. Um ano depois, irrompeu o conflito que lhe subtraiu o mundo de suas belezas. Não só destruiu a beleza dos campos que atravessava e as obras de arte que encontrava em seu caminho, como também destroçou nosso orgulho pelas realizações de nossa civilização, nossa admiração por numerosos filósofos e artistas, e nossas esperanças quanto a um triunfo final sobre as divergências entre as nações e as raças. Maculou a elevada imparcialidade da nossa ciência, revelou nossos instintos em toda a sua nudez e soltou de dentro de nós os maus espíritos 
que julgávamos terem sido domados para sempre, por séculos de ininterrupta educação pelas mais nobres mentes. Amesquinhou mais uma vez nosso país e tornou o resto do mundo bastante remoto. Roubou-nos do muito que amáramos e mostrou- nos quão efêmeras eram inúmeras coisas que consideráramos imutáveis.
Não pode surpreender-nos o fato de que nossa libido, assim privada de tantos dos seus objetos, se tenha apegado com intensidade ainda maior ao que nos sobrou, que o amor pela nossa pátria, nossa afeição pelos que se acham mais próximos de nós e nosso orgulho pelo que nos é comum, subitamente se tenham tornado mais vigorosos.
 Contudo, será que aqueles outros bens, que agora perdemos, realmente deixaram de ter qualquer valor para nós por se revelarem tão perecíveis e tão sem resistência? Isso parece ser o caso de muitos de nós; só que, na minha opinião, mais uma vez, erradamente. Creio que aqueles que pensam assim, de e parecem prontos a aceitar uma renúncia permanente porque o que era precioso revelou não ser duradouro, encontram-se simplesmente num estado de luto pelo que se perdeu. O luto, como sabemos, por mais doloroso que possa ser, chega a um fim espontâneo. Quando renunciou a tudo que foi perdido, então consumiu-se a si próprio, e nossa libido fica mais
 uma vez livre (enquanto ainda formos jovens e ativos) para substituir os objetos perdidos por novos igualmente, ou ainda mais, preciosos. É de esperar que isso também seja verdade em relação às perdas causadas pela presente guerra. Quando o luto tiver terminado, verificar-se-á que o alto conceito em que tínhamos as riquezas da civilização nada perdeu com a descoberta de sua fragilidade. Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu, e talvez em terreno mais firme e de forma mais duradoura do que antes.
Freud, 

domingo, 10 de junho de 2018


Por que te vas

 

Hoy en mi ventana brilla el sol
Y un corazón se pone triste
Contemplando la ciudad
Porque te vas

Como en cada noche desperté
Pensando en ti
Y en mi reloj todas las horas vi pasar
Porque te vas

Todas las promesas de mi amor se irán contigo
Me olvidarás, me olvidarás
Junto a la estación yo lloraré igual que un niño
Porque te vas, porque te vas

Bajo la penumbra de un farol se dormirán
Todas las cosas que quedaron por decir, se dormirán
Junto a las manillas de un reloj esperarán
Todas las horas que quedaron por vivir, esperarán

Todas las promesas de mi amor se irán contigo
Me olvidarás, me olvidarás
Junto a la estación yo lloraré igual que un niño
Porque te vas, porque te vas

segunda-feira, 4 de junho de 2018




Outono 





“Venta
Ali se vê
Onde o arvoredo inventa um ballet
Enquanto invento aqui pra mim
Um silêncio sem fim
Deixando a rima assim
Sem mágoas, sem nada
Só uma janela em cruz
E uma paisagem tão comum
Telhados de Paris
Em casas velhas, mudas
Em blocos que o engano fez aqui
Mas tem no outono uma luz
Que acaricia essa dureza cor de giz
Que mora ao lado e mais parece outro país
Que me estranha mas não sabe se é feliz
E não entende quando eu grito

O tempo se foi
Há tempos que eu já desisti
Dos planos daquele assalto
E de versos retos, corretos”
Nei Lisboa 

quinta-feira, 24 de maio de 2018






Foto - Bresson 


Quando morremos

Uma revoada de pássaros toma conta do jardim. Inúmeros pássaros a brincar com asas fáceis, zombar com o próprio sonho humano de voar. Era uma manhã diferente. Costumo sentar e observar a rotina dos pássaros, era nova aquela agitação toda. Eu gravei a cena, além de bela, era triste, ela continha a fotografia do meu medo. Um bando de pássaros a dar rasantes numa manhã tranquila, silenciosa e ensolarada prenunciou a volta de um câncer. Aqueles pássaros, eram muitos, cravaram em minha memória a marca da tristeza, embora seres tão lindos.   Minha mãe me olhava como se esperasse um conforto quando pronunciasse minhas palavras. Eu sabia que não poderia confortá-la, não do jeito que ela esperava. Há momentos na vida que palavras são facas afiadas penetrando no outro. Ela esperava a esperança, eu não tinha estas palavras comigo, eu só tive a crueza da realidade da imposição da doença sobre um corpo. Um câncer quando retorna traz consigo um carimbo de morte. Todos em volta morrerão um pouco todos os dias, lentamente. Assistimos a esperança agoniar, o corpo emagrecer, as crenças fraquejarem, a fé fortalecer, o amor se digladiar com o ódio, a dor ser maquiada em cafés da tarde, em colheitas de bergamota, em planos que sabemos que não nascerão. Eu prefiro usar a palavra câncer, acho que é pra ver se ela para de amedrontar meus dias. Eu penso que nada de ruim pode acontecer em um dia de sol diante de uma grama verde, um café preto, alguns bichos correndo, outros voando e minha mãe fazendo comida. É indecente a vida se extinguir diante do sol. É indecente a vida se extinguir diante do sol!! Penso que ninguém quer deixar a vida num dia de sol, que esperemos a chuva. Mas a chuva é pra morrer? Não, a chuva é pra olhar, é pra abraçar forte os amores, fazer pipoca, assistir um filme, abrir um vinho. Todos os dias não seriam dias de vinho? É difícil achar uma temperatura, uma luz certa pra deixar a vida. Sou o tipo de pessoa que diante das coisas duras vou ali fora plantar flores, construo um microuniverso de beleza onde o entorno é caos. Já plantei, junto à minha mãe, muitas flores por aqui, não sei os nomes, não achei muito importante saber seus nomes, as chamo de antimorte. É bom ver algo se enraizar, que não seja o câncer, e nascer, crescer, ser belo. Uma flor é silenciosa e bela, assim como a beleza pode ser, sem alardes. Algo belo é belo, não necessita apresentar-se como belo, pois já o é. Meu pai tem sido silenciosamente forte, grandioso em agarrar a vida. Aprendi que a vida que ele tanto quer é o sol debaixo da árvore, é observar as vacas comendo, as ovelhas crescendo, as galinhas colocando ovos e os cachorros acompanhando tudo isso, ou apenas isso. Seja como for ele levanta todas as manhãs e segue pra ver se o mundo segue igual, a gente precisa de pontos de ancoragem. Eu vou observando ele e o câncer, ele e a vida, ele e o corpo, ele e o sol, ele e a preocupação em alimentar as ovelhas ( não entendo a lógica de cuidar e comer, mas ...) . Vou observando um pai que nasceu na morte, mas nasceu. Este parto foi meu, pari este pai que nunca esteve comigo e que talvez não imaginasse que estaria agora com ele, mas estou e estarei. Não há outro lugar para estar. Penso que nada de ruim pode acontecer num dia de sol, penso que penso tão equivocadamente... Penso que posso impedir a morte, que ela é alérgica ao sol, que não se atreveria a levá-lo num dia de sol comigo aqui. Olho meu pai e penso que palavras estarão trancadas ali. Sempre foi mudo, silencioso, intransponível. Desta mudez eu nasci com muita fome e encantamento de palavras. Hoje já não espero palavras, somente que ele seja forte pra enfrentar o que rouba seu corpo. Imagino que meu pai tenha medo de pronunciar palavras e isso as torne real, ele tem razão. A palavra falada é a materialidade do pensamento, ele tem medo de seus pensamentos, ele tem medo da morte, como todos nós. Gostaria de poder dizer que ele não precisa ter medo, mas seria tão mentiroso pedir a alguém que não tema o desconhecido, o inapreensível. Sigo aqui, entre as coisas que lhes são caras e belas, entre ovelhas, árvores, gatos, cachorros e céus estrelados. Amores que não sabia que vinham dele, mas percebo não em palavras, mas nos seus olhos, que são o motor da vida que pulsa nele e que acolho no melhor que há em mim.