quarta-feira, 5 de junho de 2019

Lições




Não aprendi a colher a flor

sem esfacelar as pétalas.

Falta-me o dedo menino

de quem costura desfiladeiros.


Criança, eu sabia

suspender o tempo,

soterrar abismos

e nomear as estrelas.

Cresci,

perdi pontes,
esqueci sortilégios.

Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.

Trêmula, a haste
me pede
o adiar da noite.

Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.

Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.

Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?
- Mia Couto, em "Idades cidades divindades". Lisboa: Editorial Caminho, 2007.

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