domingo, 4 de abril de 2021

O céu é tão longe

 

           


O céu da janela - Mariana Novaes

                     Onde colocar tantas dores que atravessam e rasgam nossos corpos todos os dias? Até quando suportaremos esta lâmina da saudade, das perdas, das injustiças, do escárnio, da imoralidade que tem dilacerado a esperança? Não faço ideia. Nem sei se ela segue dançando na corda bamba, equilibrista,  ou já está estatelada no poço sem fundo que estamos chafurdados. É insuportável ao ser humano viver sem braços e bocas pra carregar o peso dos dias ou abraçar seu irmão ou beijar sua menina na rua.  Na inanição de alegrias procuramos desesperadamente algo, mínimo que seja, que nos devolva um pouco de luz. Um amorteceDOR, um encantaDOR,  um desfazedor de dias terrivelmente mortíferos. Um achatamento simbólico nos tira o ar, falta respiradores, sobra respira dores. Plantas que somos vamos murchando sem os sóis das amizades, dos amores, da liberdade da gargalhada com nossos afetos. Temos reinventado formas de estarmos nesta tempestade tão longa, mas não tem sido suficiente. Dói tudo. Dói como um atropelamento diário, dói como a fome e a sede, dói  o  machucado dos mais abastados e dói como tem sido escalpela a pele dos mais vulneráveis. Dói. Cada morte de um morre um pouco da Terra toda. Dói porque antes de morrer de fato, antes do coração parar, morremos pela desumanização, pelo aviltamento que pisoteia com coturnos imundos nossas vidas. Deus está morto e não sei mais se o tempo é um senhor tão bonito. O relógio nunca esteve tão contra nós.

Márcia Batista