Onde
colocar tantas dores que atravessam e rasgam nossos corpos todos os dias? Até
quando suportaremos esta lâmina da saudade, das perdas, das injustiças, do
escárnio, da imoralidade que tem dilacerado a esperança? Não faço ideia. Nem sei
se ela segue dançando na corda bamba, equilibrista, ou já está estatelada no poço sem fundo
que estamos chafurdados. É insuportável ao ser humano viver sem braços e bocas pra carregar o peso dos dias ou abraçar seu irmão ou beijar sua
menina na rua. Na inanição de alegrias
procuramos desesperadamente algo, mínimo que seja, que nos devolva um pouco de
luz. Um amorteceDOR, um encantaDOR, um desfazedor
de dias terrivelmente mortíferos. Um achatamento simbólico nos tira o ar, falta
respiradores, sobra respira dores. Plantas que somos vamos murchando sem os
sóis das amizades, dos amores, da liberdade da gargalhada com nossos afetos. Temos
reinventado formas de estarmos nesta tempestade tão longa, mas não tem sido
suficiente. Dói tudo. Dói como um atropelamento diário, dói como a fome e a
sede, dói o machucado dos mais abastados e dói como tem sido escalpela a pele dos mais
vulneráveis. Dói. Cada morte de um morre um pouco da Terra toda. Dói porque
antes de morrer de fato, antes do coração parar, morremos pela desumanização,
pelo aviltamento que pisoteia com coturnos imundos nossas vidas. Deus está
morto e não sei mais se o tempo é um senhor tão bonito. O relógio nunca esteve
tão contra nós.
Márcia Batista
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