sábado, 29 de setembro de 2012

Espaço Curvo e Finito

 
Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças
E ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe,
Um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.
 

José Saramago

sábado, 22 de setembro de 2012

"Dentro da minha barriga mora um pássaro"

 
 
 
"Quantos seres sou eu para buscar sempre do outro ser que me habita as realidades das contradições? Quantas alegrias e dores meu corpo se abrindo como uma gigantesca couve-flor ofereceu ao outro ser que está secreto dentro de meu eu? Dentro de minha barriga mora um pássaro, dentro do meu peito, um leão. Este passeia pra lá e pra cá incessantemente. A ave grasna, esperneia e é sacrificada. O ovo continua a envolvê-la, como mortalha, mas já é o começo do outro pássaro que nasce imediatamente após a morte. Nem chega a haver intervalo. É o festim da vida e da morte entrelaçadas."
 
Lygia Clark

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

DESatando nóS



 
Quantos nós a morar em um, quanto tempo escorre pra desatar o enleio do desassossego? Como respirar neste encolher  constante, neste trepidar de chão a cada passo, a cada espaço que se vai...
Quantos vacilos e solavancos aguenta a alma?  Quantas almas é preciso pra aguentar um corpo? Quanto amor e fúria a andar irmanamente nestes descaminhos da gente, quantas febres a constituir o que somos...E o que somos?  
Febres de ilhas em mar aberto, febres de luz em escuridões de desentendimentos, febres de dores, febre de amores, febres de cores neste monocromático existir,febres de ser, febres de ter...
Quantos nós a apertar a garganta, a selar relações, a cerrar idas e vindas, a crispar decisões, a desatinar orações, a coagular vidas...
Quanta falta no excesso de presenças e adoecimentos em solidões secretas. 
Quanto de nós se esvai a cada hora,  quando ausentes de si morremos em vida, desatamos em prantos, mas permanecemos em nó. 
 
Márcia Batista






"Se cada dia cai, dentro de cada noite, há um poço onde a claridade está presa. Há que sentar-se na beira do poço da sombra e pescar luz caída com paciência." 
Pablo Neruda

Mais Simples

 
 
 
É sobre-humano amar
'cê sabe muito bem
É sobre-humano amar, sentir,
Doer, gozar
Ser feliz
Vê quem sou eu quem te diz
Não fique triste assim
É soberano e está em ti querer até
Muito mais
A vida leva e traz
A vida faz e refaz
Será que quer achar
Sua expressão mais simples?
Mas deixa tudo e me chama
Eu gosto de te ter
Como se já não fosse a coisa mais humana
Esquecer
É sobre-humano viver
E como não seria
Sinto que fiz esta canção em parceria
Com você
A vida leva e traz
A vida faz e refaz
Será que quer achar
Sua expressão mais simples
?  
José Miguel Wisnick

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Mas se tu me cativas...





Mas a raposa voltou à sua ideia.
Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

Antoine de Saint-Exupéry