Conheci a menina do fio numa sala
de aula, o fio já nos uniu, embora ainda não soubéssemos sobre ele. Ela, com
sua voz forte e sem pudores, com seu sorriso atemporal. Eu, que me autointitulo
descobridora de ouriços, captei algo olhando as veias do seu pé e
imaginando ela numa sala finamente decorada com um lustre centenário. Ri do meu
próprio pensamento porque contrastava com a irreverência transgressora dela.
Tricotava seu doutorado incansavelmente enquanto um cachecol gigante ia fazendo
a volta no quarteirão. A menina do fio adora seus livros, seus
pacientes, seu filho, o leixo, o sol, a chuva, a mesa de sinuca, as linhas e as agulhas
de tricô. Adora sua casa a ponto de acordar as 4h da matina pra ficar mais
tempo com suas paredes antes de sair pro seu trabalho fonopsicoaudiólogo. É cheia de brisas e tempestades, não tem
travas na língua e tem a altivez dos justos. Agora tem feito poesia com seu
isolamento, tem atendido pacientes por vias inéditas. Imagino-a brigando com
seu computador e logo fazendo as pazes, porque a vida é muito curta pra ficar
de mal, ela sabe, até com a amiga que ousou fazer panquecas pra ela, voltou a
falar. Ela também sabe que a vida é curta demais pra gastar fonemas, palavras
ou frases com quem não vale a pena, aqueles de alma pequena. Ela é muito econômica
neste sentido, tem profundo respeito e sabedoria por seu tempo. Hoje a menina
do fio faz sessenta anos e eu imagino ela maquiada e de pantufa correndo pelos
jardins, com a cabeleira solta e com seu abridor de horizontes em punho, pronta
pra pegar seu tear e reinventar a vida.
3 comentários:
Fiquei muito comovida e orgulhosa de entrar em um blog dessa natureza e delicadeza. Ter conhecido essa guria que escreve de forma tão linda nem me surpreende. Porque é daquelas pessoas que tem orelhas de dumbo, que consegue captar até os ruídos mais distantes e transformá-los em graça. Cada palavra que sai dali leva a alma dela a reboque. Obrigada, Marcita!
Ass: A menina do Fio
❤️
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