terça-feira, 21 de abril de 2020

Estômago e afetos para existir





Foto: Márcia Batista RJ


Levantamos todas as manhãs sem saber o que aconteceu no mundo. Quantas pessoas se foram, quantas estão lutando ferozmente pela vida, num respirador ou no transporte público, nos lugares onde nem água há para que se possa lavar as mãos, quem dirá a alma, suspender a alma, seja com alguma beleza ou saciar o corpo com alimento. Nos hospitais as equipes exauridas, amedrontadas, mas sempre presente. Marielle presente! Jair disse, Jair desdisse, Jair desdisse o que disse e voltou a dizer. Jair é a Constituição, uma das suas últimas sandices, que eu saiba, claro. É sempre difícil acompanhar a perversidade do homem anticivilizatório. Este Brasil que eu não conhecia me arranca pedaços do estômago. Um país cego pelo ódio, bela boçalidade, pelo orgulho da ignorância, pela identificação com a pobreza de pensamento e empatia. Um país racista e hipócrita que se deixou levar pela eleição de um único inimigo, o PT. Parece-me que a ignorância precede o PT e a falta de conhecimento de como chegamos até aqui, digo, há mais de quinhentos anos estamos caminhando pra este hoje, é outro ingrediente desta panela de (de)pressão. A Terra virou plana, o comunismo come criancinhas, há o kit gay, há professores sendo ameaçados e espancados. É tanta falta, estamos lotados de falta. Nega-se uma pandemia, mas os ricos a negam de dentro dos seus carros e munidos de suas máscaras. A doméstica negra morre de COVID servindo aquela que voltou de uma viagem internacional contaminada e , não deu nem a chance dela, a sua serviçal, saber que poderia estar em risco. Em algumas cabeças funciona assim, há quem valha menos, são privados de nomes, identidades, sonhos, seus filhos não valem nada, não  há quem dê falta de seus corpos no mundo.   Eu detesto esta gente, eu detesto esta gente toda que parece ter brotado no Brasil. Eu sei, não brotou, são troncos velhos e enraizados. Gente cafona que se mede por seus carros e suas roupas de marca julgando-se imortais. Detesto. Detesto os que bradam anticorrupções e dão um jeito de burlar o imposto de renda, conseguir ingressos gratuitos depois de falar absurdos sobre a lei Rouanet, é claro que nem imaginam como funciona e o quanto é difícil ser  artista e/ou trabalhar com arte neste país. Os mesmos que desprezam a arte devem estar em seus sofás assistindo shows, novelas, ouvindo música ou quiçá, lendo um livro. Este Brasil detestável que fez do verde-amarelo algo repugnante, se estivesse no divã, acho que seria caso de narcisismo, ressentimento, prepotência e psicopatia, só pra começar.


2 comentários:

Sonia Dalpiaz disse...

Chocante. Melhor reflexão que li nos últimos tempos. Parabéns e obrigada por espalhar um pouco de lucidez no mundo.

Sonia Dalpiaz disse...

Chocante. Melhor reflexão que li nos últimos tempos. Parabéns e obrigada por espalhar um pouco de lucidez no mundo.