terça-feira, 28 de abril de 2020

O fio e o barco, ou brechas na angústia.

Foto: Márcia Batista


Foto: Márcia Batista

Em dias que o verbo sonhar foi sequestrado da gente, o fio e o barco alimentam um pouco a fome de alegrias. Barco e fio no alento de viajar palavras, em um embarco, em outro me dependuro e organizo minhas angústias, enrolo e desenrolo. É melhor angústia organizada do que toda espalhada por dentro de mim, não gosto.
O barco viaja pra lá e pra cá nos trazendo histórias, palavras, informações, navega em mar alto e revolto. Não usa âncora, eu gosto desta peculiaridade do barco. É solto nos oceanos, quanto mais vento melhor, vive distribuindo poesia nas Marinas que escolhe parar. É um barco todo colorido e cantante, mas se engana quem pensa que não vira  submarino. Vai até as profundezas, faz partos onde nem se sabia que havia o que sair. É um barco cirúrgico, preciso no afeto, no tom da voz, no abraço, em suas embarcações. Soube muito cedo que iria ser navegante, esvoaçante, barco, parto, marco, arco. Martelo, singelo, elo.  O fio parece espevitado, mas é sua dança, seu ser bailarino, brinca com as palavras porque é muito íntimo delas, porque as come, se alimenta delas. Faz e desata nós, faz e desata pra nós. O fio ama(rra )daqui, ama dali, nos laça sem esforço. As pernas do fio são compridas e velozes. Existe de todas as cores, sabores, dores, amores. O barco e fio sabem fazer dos dias uma vigem a tecer e reinventar vidas. 

Márcia Batista

Um comentário:

Sonia Dalpiaz disse...

Muito, muito, muito lindo. Honrada de passear novamente por esse lindo blog lindo. Gosto sempre do que encontro por aqui. Obrigada por transformar o simples em poesia. Escreve, escreve sempre. E fotografa. E grava. O mundo merece ter tuas marcas espalhadas por todos os lugares. Pode ser que, com elas, fique mais humano.
Beijos e muito sucesso nesse belo espaço.
Xonia