sexta-feira, 30 de novembro de 2012

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Dia que balança


E a vida balança... Embala, repara, 
Vai, volta, cai, solta...Dança.
E a vida balança...Pesa, 
junta, separa...Lança. 
E a vida  balanço...Pensa, "despensa", dispensa, 
Avança, recua, estica, esmaga.
Trapézio de tempo,
Vento do salto. 

Márcia Batista
















sábado, 27 de outubro de 2012

Apanhador de Desperdícios



Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosta das palavras
fatigadas de informar.

Dou mais respeito

às que vivem de barriga no chão
tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos,
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros

sábado, 29 de setembro de 2012

Espaço Curvo e Finito

 
Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças
E ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe,
Um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.
 

José Saramago

sábado, 22 de setembro de 2012

"Dentro da minha barriga mora um pássaro"

 
 
 
"Quantos seres sou eu para buscar sempre do outro ser que me habita as realidades das contradições? Quantas alegrias e dores meu corpo se abrindo como uma gigantesca couve-flor ofereceu ao outro ser que está secreto dentro de meu eu? Dentro de minha barriga mora um pássaro, dentro do meu peito, um leão. Este passeia pra lá e pra cá incessantemente. A ave grasna, esperneia e é sacrificada. O ovo continua a envolvê-la, como mortalha, mas já é o começo do outro pássaro que nasce imediatamente após a morte. Nem chega a haver intervalo. É o festim da vida e da morte entrelaçadas."
 
Lygia Clark

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

DESatando nóS



 
Quantos nós a morar em um, quanto tempo escorre pra desatar o enleio do desassossego? Como respirar neste encolher  constante, neste trepidar de chão a cada passo, a cada espaço que se vai...
Quantos vacilos e solavancos aguenta a alma?  Quantas almas é preciso pra aguentar um corpo? Quanto amor e fúria a andar irmanamente nestes descaminhos da gente, quantas febres a constituir o que somos...E o que somos?  
Febres de ilhas em mar aberto, febres de luz em escuridões de desentendimentos, febres de dores, febre de amores, febres de cores neste monocromático existir,febres de ser, febres de ter...
Quantos nós a apertar a garganta, a selar relações, a cerrar idas e vindas, a crispar decisões, a desatinar orações, a coagular vidas...
Quanta falta no excesso de presenças e adoecimentos em solidões secretas. 
Quanto de nós se esvai a cada hora,  quando ausentes de si morremos em vida, desatamos em prantos, mas permanecemos em nó. 
 
Márcia Batista






"Se cada dia cai, dentro de cada noite, há um poço onde a claridade está presa. Há que sentar-se na beira do poço da sombra e pescar luz caída com paciência." 
Pablo Neruda

Mais Simples

 
 
 
É sobre-humano amar
'cê sabe muito bem
É sobre-humano amar, sentir,
Doer, gozar
Ser feliz
Vê quem sou eu quem te diz
Não fique triste assim
É soberano e está em ti querer até
Muito mais
A vida leva e traz
A vida faz e refaz
Será que quer achar
Sua expressão mais simples?
Mas deixa tudo e me chama
Eu gosto de te ter
Como se já não fosse a coisa mais humana
Esquecer
É sobre-humano viver
E como não seria
Sinto que fiz esta canção em parceria
Com você
A vida leva e traz
A vida faz e refaz
Será que quer achar
Sua expressão mais simples
?  
José Miguel Wisnick

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Mas se tu me cativas...





Mas a raposa voltou à sua ideia.
Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Extra Sísmico


Ando a não andar, a cismar meus dias em sístoles.
Sismos que fragmentam todo o ser que sou, dos órgãos à pele, da pele aos ossos.
A flertar abismos, a querer abismar-se. 
De tão perto a duvidar não ser eu o próprio precipício.
Precipitada em ser além de mim, outra que acomode melhor a alma que trago comigo.
A cair, e ir, a desfalecer, e ser...
A morrer tantas vezes pra alargar a vida
Pra alagar a aridez de uma alma que se rememora líquida.

Márcia Batista


segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz?  Em vão... Tudo esvaído

Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...

Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá-Carneiro

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Tempo (ral)





O tempo escorre da gente, e assim vai rindo do sonho humano de capturá-lo. Passa sem passar, fica sem pedir, não obedece relógios, seu senhor é o sentir. Congela e corta na saudade, voa no encontro, é sempre agora no amor, é longo e sem fim na dor, é cárcere na perda. O tempo corre da gente, não nos pertence, não somos do tempo contado, somos seres do tempo sentido. É ele que mostra a medida do mundo, o tamanho das almas, a força dos ventos. É ele que lambe as feridas, que arranca as vísceras, que deforma o olhar, que reforma o olhar. Armazém das horas, morada de amores, cores, dores e odores.
O tempo morre na gente, enterra palavras, desperta silêncios, embaralha a lógica do que foi, do que é e do que será. O tempo não se conjuga, não se guarda, não se dobra, é o dono absoluto das sombras e do sol. É ele o guardador de sementes, é nele que se adormece, é dele que se renasce, é por ele que se floresce.
Márcia Batista

Tu eras também uma pequena folha


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda

domingo, 29 de julho de 2012

 Robert Doisneau

O que me acontecia? Nunca saberei entender mas há de haver quem entenda. E é em mim que tenho que criar esse alguém que entenderá. 

Clarice Lispector - A Paixão Segundo G.H.

Sobre dias lindos


                Ouvir a afirmação "que dia lindo" sempre me gerou certa angústia. Um dia lindo é como uma intimação, destas levadas por oficial de justiça e tudo, para sair imediatamente de casa sem direito a bagagens ou telefonemas, e consumir o dia. Mas a questão é que nada parece ser suficiente diante da grandiosidade de um belo dia. Certa vez resolvi dividir esta agonia com uma amiga, daquelas que a gente confia as insanidades dos pensamentos. Para minha grata surpresa e absolvição ela também sentia igual, a terrível limitação de corresponder a um dia lindo, uma meliante a não cumprir a ordem de viver.  Chegamos a uma conclusão engraçada, embora fora da lei: um dia lindo é merecedor de um streeptease, de um encontro com a própria pele, e assim correr nua pelas ruas, pelos campos, sem rumo, sem roupas, sem nada além da beleza da hora. Assim poderíamos nos fundir ao dia, sermos uma coisa só: terra, sol, corpo, vento, água e fogo. Este desejo atávico nos encontra vez ou outra, desempoeira nossos corpos domesticados e sacode nossa frágil infante civilidade. Percebe-se então o perigo de um dia lindo, é o toque de tambores que nos chama a transgredir as boas maneiras conquistadas e ser um tanto bicho, um tanto livre, um tanto chão, um tanto céu, um tanto Deus, um tanto nós. 

Márcia Batista

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Fridas


''Origem das duas Fridas. Recordação. Devia ter 6 anos quando vivi intensamente a amizade imaginária com uma menina de minha idade. (...) Não me lembro de sua imagem, nem de sua cor. Porém sei que era alegre e ria muito. Sem sons. Era ágil e dançava como se não tivesse nenhum peso. Eu a seguia em todos os seus movimentos e contava para ela, enquanto ela dançava, meus problemas secretos. Quais? Não me lembro. Porém ela sabia, por minha voz, de todas as minhas coisas...''

Diário de Kahlo, sobre a tela As Duas Fridas

quarta-feira, 25 de julho de 2012

 



 "É que tem mais chão nos meus olhos
do que cansaço nas minhas pernas,
mais esperança nos meus passos
do que tristeza nos meus ombros,
mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça."

Cora Coralina

Viver...Vi - ver - ver - vi.


Pensando na palavra Viver constatei uma obviedade disfarçada, querendo passar desapercebida: Viver é o verbo ver em tempos verbais diferentes. Esta descoberta fez todo o sentido pra mim, que há tanto tempo invejo vagalumes e reinvento as estrelas. Ver é o sentido protagonista, é por onde se come o mundo. Há de ser a retina aquela que apresenta a vida pra nossa alma. Perder formas, traços, letras, textos, cores, espaços, e, principalmente, perder de vista o rosto dos afetos é angústia daquelas que fazem a gente não caber na pele, é o estraçalhamento do vivente. A câmara escura só é habitável por ser o nascedouro das imagens, viver por lá é ficar prisineiro do avesso da razão de ser, é não cumprir seu destino de parir imagens. Olhar é respirar pelos olhos, é ser vão para o milagre que é significar o que se vê, o que se vi-ve (ê). Ver é estar em fotossíntese, é raptar o mundo pra dentro da gente.

Márcia Batista

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Reinvenção


"Para Nietzsche criar, mais do que um gesto individual, é um processo de integração e participação na vida. A vida cria em suas constantes transformações, em seu eterno jogo de vida e morte. Ao homem cabe dizer sim ou não a este processo, isto o define como homem. Ao dizer sim ao que os gregos chamavam de devir, o vir-a-ser constante das coisas, o homem se vê inserido em um processo que necessariamente leva à criação. Criar é suportar as contradições e intensidades da vida no corpo, é transformar em signo este movimento excessivo que é viver. Mas o rumo que nossa cultura ocidental tomou foi outro, ela separou e opôs o bem e o mal, o corpo e alma, o acerto e o erro, o belo e feio. Estimular a criatividade envolve, mais do que identificar gênios criativos, reconstruir, reinventar os laços do homem com a vida."

 Viviane Mosé

Dedicatória

Delicado curta inspirado e concretizado em Manoel de Barros.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Tudo que não invento é falso


Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A gente era o que quisesse ser só usando esse advérbio. Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos. Ou tem hora que eu sou quando uma pedra. E sendo uma pedra eu posso conviver com os lagartos e os musgos. Assim: tem hora eu sou quando um rio. E as garças me beijam e me abençoam. Essa era uma teoria que a gente inventava nas tardes. Hoje eu estou quando infante. Eu resolvi voltar quando infante por um gosto de voltar. Como quem aprecia de ir às origens de uma coisa ou de um ser. Então agora eu estou quando infante."

Manoel de Barros

A Palavra

Foto: Robert Doisneau

A palavra é uma roupa que a gente veste.
Uns usam palavras curtas. Outros usam roupa em excesso.
Existem, os que jogam palavra fora. Pior são os que usam em desalinho.
Uns usam palavras raras. Poucos ostentam palavras caras.
Tem quem nunca troca. Tem quem usa a dos outros.
A maioria não sabe o que veste. Alguns sabem e fingem que não.
E tem quem nunca usa a roupa certa pra ocasião.
Tem os que se ajeitam bem com poucas peças.
Outros se enrolam em um vocabulário de muitas.
Tem gente que estraga tudo que usa. E você?
Com quais palavras você se despe?

Viviane Mosé

domingo, 15 de julho de 2012


"Toda a experiência humana é marcada por afetos. Nietzsche entendeu que a razão poderia ser o mais potente dos afetos, o que significa que nos enganamos ao pensar na frieza da razão, que, em seu imo, move o mundo apaixonadamente". 

Márcia Tiburi

sábado, 14 de julho de 2012

Les Feuilles Mortes


 Oh ! je voudrais tant que tu te souviennes
 Des jours heureux où nous étions amis.
 En ce temps-là la vie était plus belle,
 Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui.
 Les feuilles mortes se ramassent à la pelle.
 Tu vois, je n'ai pas oublié...
 Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,
 Les souvenirs et les regrets aussi
 Et le vent du nord les emporte
 Dans la nuit froide de l'oubli.
 Tu vois, je n'ai pas oublié
 La chanson que tu me chantais.

 C'est une chanson qui nous ressemble.
 Toi, tu m'aimais et je t'aimais
 Et nous vivions tous deux ensemble,
 Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais.
 Mais la vie sépare ceux qui s'aiment,
 Tout doucement, sans faire de bruit
 Et la mer efface sur le sable
 Les pas des amants désunis.

 Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,
 Les souvenirs et les regrets aussi
 Mais mon amour silencieux et fidèle
 Sourit toujours et remercie la vie.
 Je t'aimais tant, tu étais si jolie.
 Comment veux-tu que je t'oublie ?
 En ce temps-là, la vie était plus belle
 Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui.
 Tu étais ma plus douce amie
 Mais je n'ai que faire des regrets
 Et la chanson que tu chantais,
 Toujours, toujours je l'entendrai !

Desintegração


 Fico tão assustada quando percebo que durante horas perdi minha formação humana. Não sei se terei uma outra para substituir a perdida. Sei que precisarei tomar cuidado para não usar superficialmente uma nova terceira perna que em mim renasce fácil como capim, e a essa perna protetora chamar de uma verdade Mas é que também não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma, nada me existe. E - e se a realidade é mesmo que nada existiu?! Quem sabe nada me aconteceu? Só posso compreender o que me acontece mas só acontece o que eu compreendo - que sei do resto? O resto não existiu. Quem sabe nada existiu! Quem sabe me aconteceu apenas uma lenta e grande dissolução? E que minha luta contra essa desintegração está sendo esta: a de tentar agora dar-lhe uma forma? Uma forma contorna o caos, uma forma dá construção à substância amorfa - a visão de uma carne infinita é a visão dos loucos, mas se eu cortar a carne em pedaços e distribuí-los pelos dias e pelas fomes - então ela não será mais a perdição e a loucura: será de novo a vida humanizada.
A vida humanizada. Eu havia humanizado demais a vida.

Clarice Lispector - A Paixão segundo G.H

Leonel Pé-de-Vento


Belo, sensível e criativo.

Curta-metragem em animação, 15 minutos, 2006. Direção de Jair Giacomini

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Fotografrar ou ressignificar...


"Revelações nascem do escuro
em varais de espera, em merguhos.
Tempos depois
luzes acendem imagens,
curas."

Além do Bem e do Mal





(Salvador Dali)

Nossas mentes rechaçam a idéia do nascimento de uma coisa
que pode  nascer  de uma  contrária, por  exemplo:  a verdade do
erro;  a  vontade do  verdadeiro da  vontade do erro;  o ato
desinteressado do egoísmo ou a  contemplação pura do  sábio,  da
cobiça. Tal origem parece impossível: pensar nisso parece
próprio de loucos. As realidades mais sublimes devem ter outro
origem, que lhes seja peculiar. Não pode ser sua mãe esse
mundo efêmero, falaz, ilusório e miserável, esta emaranhada,
cadeia de ilusões, desejos e frustrações. No seio do ser, no qual
não morrerá nunca, num deus oculto, na “coisa em si” é onde
deve se lobrigar seu princípio, ali e em nenhuma outra parte.

Nietzsche - Além do Bem e do Mal


Robert Capa
Detalhe: Picasso segurando o guarda-sol


Talvez, quem sabe, um dia
Por uma alameda do zoológico
Ela também chegará
Ela que também amava os animais
Entrará sorridente assim como está
Na foto sobre a mesa

Ela é tão bonita
Ela é tão bonita que na certa
 
eles a ressuscitarão

O século 30 vencerá
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias
Agora vamos alcançar
Tudo que não podemos amar na vida
Com o estrelar das noites inumeráveis
Ressuscita-me
Ainda que mais não seja
Porque sou poeta e ansiava o futuro
Ressuscita-me
Lutando contra as misérias do cotidiano
Ressuscita-me por isso

Ressuscita-me
Quero acabar de viver o que me cabe
Minha vida
Para que não mais exista amores servis
Ressuscita-me
Para que ninguém mais tenha
De sacrificar-se por uma casa ou um buraco
Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme
E o pai
Seja, pelo menos, o universo
E a mãe
Seja, no mínimo, a terra
A terra, a terra
                                                                                                      Mayakovsk





"Todo homem é comum mesmo não sendo. O não ser comum do homem parece estar em sua forma própria de ser comum. Em seu jeito singular de sofrer, brincar, envelhecer. Em sua necessidade de construir, simbolizar, criar. Um homem não deixa de ser comum mesmo entre letras, livros, máquinas, sistemas, signos. Um homem é sempre uma trajetória que declina. Que ascende, mas que declina. O comum do homem é sua aparição relâmpago, o seu constituir e o seu perecer. O comum do homem é sua necessidade de dizer, manifestar, inscrever, perpetuar. Ao mesmo tempo sua impossibilidade de permanecer. Todo homem constitui-se na tensão entre viver e morrer, entre dizer e calar, entre subir e descer. Mas, por razões extensas e difíceis, a história humana parece ter se ordenado em torno da vontade de não ser.
Não envelhecer, não sentir dor, não se cansar, não se aborrecer. O homem parece envergonhar-se de ser: pequeno, sensível, mortal, humano. E organiza-se em torno de um ideal de homem, sem corpo. O homem envergonha-se de seu corpo. Não de seu sexo ou de seu prazer, mas de suas vísceras, de seus excrementos, de seus sons e odores, de seu processo bioquímico, fisiológico, orgânico. O homem envergonha-se de morrer e vai acuando-se, escondendo-se, perdendo-se em torno de uma idéia, de uma imagem. Em sua luta por não ser comum, o homem tornou-se nenhum. Todo homem virou nenhum. Nenhum homem na rua, em casa. Nenhum homem na cama. Nenhum homem, mas um nome. O homem se reduziu a um nome. Não um nome próprio, mas um substantivo".

Viviane Mosé

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Delicadeza


Os fantásticos livros voadores do Sr. Morris Lessmore

Seu Lugar

Carrego seu coração comigo
Eu o carrego no meu coração
Nunca estou sem ele
Onde eu for, você vai, minha querida
Não temo o destino
Você é meu destino, meu doce
Não quero o mundo pois, beleza
Você é meu mundo, minha verdade
Eis o segredo que ninguem sabe
Aqui está a raiz da raiz
O broto do broto
E o céu do céu
De uma arvore chamada vida
Que cresce mais do que a alma pode esperar
Ou a mente pode esconder
E esse é o prodigio
Que mantem as estrelas a distancia
Carrego seu coraçao comigo
Eu o carrego no meu coraçao.
E.E. Cummings

segunda-feira, 2 de julho de 2012

"Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós. Não temos amado acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada. Não nos temos entregues a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. temos evitado cair de joelhosn diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúmes e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Temos disfarçado com falso amor nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos, e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público o que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."

 Clarice Lispector